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04 outubro 2014
Crônica do Leão de Vidro
Andava meio triste aquele felino, pensava no quanto era frágil e como a vida era dura. A luz azulada turva da noite passava por suas entranhas, recocheteava nos seus ângulos dando a entender a complexidade de seus sentimentos. Chovia de dentro pra fora, era indescritível o frio que sentia.
No topo do Monte da Aurora, ele podia ver o mundo todo, todas as cores, todos os movimentos e sons, ele refletia tudo calado, ele não podia chorar.
Num momento rápido, como num relâmpago silencioso, algumas lembranças foram vistas no reflexo de sua pele trincada, pareciam de outro mundo, como a luz da noite, apenas perdida dentro dele.
Ele lembrava de quando era o rei de tudo,e que cada dia descobria mais um pedaço do seu reino, tão somente não sabia que era o prisma .
Lembrava de quando descobriu que o vermelho era umas das cores mais voláteis, que o verde podia ser a cor mais profunda e que o amarelo era a verdadeira felicidade. Depois de tantos espectros, o azul daquela noite era o único que perfurava sua pele translucida.
Levantou sua pata pesada contra o céu, enquanto observava a luz de cada estrela se perdendo de sua posição, como se ele tivesse o poder de mudar tudo de lugar, e então ele percebia que isso também era ilusão.
Então como que acordando de seu sonho, juntando as ultimas esperanças, levantou-se, ergueu sua cabeça e rugiu liberando todas as imagens e cores, sons e movimentos de uma só vez. Sua pele trincada estava virando pó, o vento levava para longe. A lua decidiu aparecer e honrar a despedida do rei.
O momento majestoso, onde o leão de vidro foi embora, foi como o sussurro do vento, uma lembrança, uma ilusão.