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10 outubro 2014

Festa surpresa


Acordando de manhã
Hojé é dia de festa
Ele levanta sem nem saber
Ela lhe dá um bom dia
Faz a barba, corta a carne
Lava os pratos de ontem
Veste o sobretudo antes do paletó
Penteia o cabelo
Vai embora andando ouvindo uma música mental
Olha de longe, esperando o momento
Pega um ônibus qualquer, para qualquer lugar
abre a porta, sorrisos e cochichos desnecessários
Olha a paisagem se mover como que acenando
Bate a massa, como que espancando seus problemas
Se sente mais leve a cada centímetro
Os minutos são como tartarugas leprosas
Se perde no desconhecido, enquanto o ônibus sobe o morro
Conversa sobre o rumo das coisas enquanto dá forma a um doce
Desce do ônibus e segue a trilha escura a pé
Atende o telefone, dá instruções
Sua mente vazia apenas absorve o verde frio
Balões coloridos tomando fôlego de vida
O rio que passa calmamente refletindo o céu nublado
Fitas, gestos, burburinhos, risadelas
Gotas de água que lentamente se preciptam
O ranger da porta se abrindo e fechando sem folga
Para de andar por um momento, suor quente, chuva fria
Levanta os olhos, confere a hora
sonhos, desejos, mágoas, distrações
Unhas, cabelos, bolos, lembranças
Tira as roupas, livrando-se das obrigações
Tira a torta do forno
Olha o horizonte como se fosse toca-lo
Estende as toalhas
O entardecer é mágico, é onde o fim dá inicio a um novo começo 
Cria arranjos, as flores, mesmo que não saibam, estão sendo sacrificadas pela beleza de um dia
Corre em sua direção
Arruma a mesa, enquanto os outros arrumam a casa
E então, às 17:49 ele se joga do topo do morro
Está tudo pronto para sua chegada
Consegue ver sua vida inteira passar como um filme, um momento eterno
Ela se senta, coloca seu chapéu de festa e espera o grande momento
17:50, como o sol, ele deu início a um novo começo
19:00 a campainha toca, ela apaga as luzes, todos se silenciam
Ao abrir a porta, todos gritam "surpresa"
Não haveria surpresa maior que aquela
O policial, explica a situação, naquele momento o tempo para
Ela cai de joelhos, talvez na mesma velocidade que ele caiu do morro
Lagrimas, gritos, pessoas sem saber o que fazer
Seu coração pesa, sua alma queima e ela não fala nada
Não há mais nada a fazer, são as surpresas da vida.

04 outubro 2014

Crônica do Leão de Vidro



Andava meio triste aquele felino, pensava no quanto era frágil e como a vida era dura. A luz azulada turva da noite passava por suas entranhas, recocheteava nos seus ângulos dando a entender a complexidade de seus sentimentos. Chovia de dentro pra fora, era indescritível o frio que sentia.

No topo do Monte da Aurora, ele podia ver o mundo todo, todas as cores, todos os movimentos e sons, ele refletia tudo calado, ele não podia chorar.

Num momento rápido, como num relâmpago silencioso, algumas lembranças foram vistas no reflexo de sua pele trincada, pareciam de outro mundo, como a luz da noite, apenas perdida dentro dele.

Ele lembrava de quando era o rei de tudo,e que cada dia descobria mais um pedaço do seu reino, tão somente não sabia que era o prisma .

Lembrava de quando descobriu que o vermelho era umas das cores mais voláteis, que o verde podia ser a cor mais profunda e que o amarelo era a verdadeira felicidade. Depois de tantos espectros, o azul daquela noite era o único que perfurava sua pele translucida.

Levantou sua pata pesada contra o céu, enquanto observava a luz de cada estrela se perdendo de sua posição, como se ele tivesse o poder de mudar tudo de lugar, e então ele percebia que isso também era ilusão.

Então como que acordando de seu sonho, juntando as ultimas esperanças, levantou-se, ergueu sua cabeça e rugiu liberando todas as imagens e cores, sons e movimentos de uma só vez. Sua pele trincada estava virando pó, o vento levava para longe. A lua decidiu aparecer e honrar a despedida do rei.

O momento majestoso, onde o leão de vidro foi embora, foi como o sussurro do vento, uma lembrança, uma ilusão.